02 agosto 2010

O ensaio no cinema

É com Jean-Luc Godard que o cinema-ensaio chega a sua expressão máxima. Para esse notável cinevideasta franco-suíço, pouco importa se a imagem com que ele trabalha é captada diretamente do mundo visível “natural”. A única coisa que realmente importa é o que o cineasta faz com esses materiais, como constrói com eles uma reflexão densa sobre o mundo, como transforma todos esses materiais brutos e inertes em experiência de vida e pensamento.

Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle trata-se de um filme-ensaio, onde o tema de reflexão é o mundo urbano sob a égide do consumo e do capitalismo, tomando como base a maneira como se dispõe e se organiza a cidade de Paris. Como dizia o próprio Godard a propósito de seu filme, “se eu refletir um pouco, uma obra desse gênero é quase como se eu tentasse escrever um ensaio antropológico em forma de romance e para fazê-lo não tivesse à minha disposição senão notas musicais”.

A locução off é é uma voz sussurrada, em tom baixíssimo, como que falando para dentro, uma imagem sonora admirável da linguagem interior: o pensamento. A cenografia de Scénario é uma reinterpretação contemporânea do escritório do filósofo. O pensador de agora já não se senta mais à sua escrivaninha, diante de seus livros, para dar forma ao seu pensamento, mas constrói as suas idéias manejando instrumentos novos – a câmera, a ilha de edição, o computador –, invocando ainda outros suportes de pensamento: sua coleção de fotos, filmes, vídeos, discos – sua midioteca, enfim.

São Paulo: Sinfonia e Cacofonia é uma eloquente demonstração de que se pode construir um ensaio sobre o cinema, usando o próprio cinema como suporte e linguagem. No futuro, quando as câmeras substituirem as canetas, quando os computadores editarem filmes em vez de textos, essa será provavelmente a maneira como “escreveremos” e daremos forma ao nosso pensamento.


O filme-ensaio, Arlindo Machado.

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