30 julho 2010

O documental e o ensaio

O cinema mantém com o texto literário certas afinidades relativas à discursividade e à estrutura temporal, além de contar com a possibilidade de incluir o texto verbal na forma de locução oral, o desafio de pensar um ensaio em forma audiovisual fica facilitado.

O documentário começa ganhar interesse quando ele se mostra capaz de construir uma visão ampla, densa e complexa de um objeto de reflexão, quando ele se transforma em ensaio, em reflexão sobre o mundo, em experiência e sistema de pensamento, assumindo portanto aquilo que todo audiovisual é na sua essência: um discurso sensível sobre o mundo.

Em O Homem da Câmera (1929) o processo de associações intelectuais alcança o seu mais alto grau de elaboração, dando como resultado um dos filmes mais densos de todo o cinema, que
revolve, ao mesmo tempo, “o ciclo de um dia de trabalho, o ciclo da vida e da morte, a reflexão sobre a nova sociedade, sobre a situação cambiante da mulher nela, sobre a sobrevivência de valores burgueses e de pobreza sob o socialismo e assim por diante” (Burch, 1979: 94).

O cinema torna-se, a partir dele, uma nova forma de “escritura”, isto é, de interpretação do mundo e de ampla difusão dessa “leitura”, a partir de um aparato tecnológico e retórico reapropriado numa perspectiva radicalmente diferente daquela que o originou. Digno de atenção é o fato de que Vertov jamais filmava ou acompanhava as filmagens. Ele era basicamente um homem de montagem, um construtor de sintagmas audiovisuais. O material filmado para ele era apenas matéria prima bruta que só se transformava em discurso cinematográfico depois de um processo de visualização, interpretação e montagem.



Jacques Aumont escreveu um livro chamado À quoi pensent les filmes (1996), onde defende a idéia de que o cinema é uma forma de pensamento: ele nos fala a respeito de idéias, emoções e afetos através de um discurso de imagens e sons tão denso quanto o discurso das palavras.

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