30 julho 2010

Um ensaio (literário):

Denominamos ensaio uma certa modalidade de discurso científico ou filosófico que carrega atributos amiúde considerados “literários”, como a subjetividade do enfoque (explicitação do sujeito que fala), a eloqüência da linguagem (preocupação com a expressividade do texto) e a liberdade do pensamento (concepção de escritura como criação, em vez de simples comunicação de idéias).

Porque busca a verdade, o ensaio é excluído do campo da literatura, onde se supõe suspensa toda descrença. Por outro lado, porque insiste em expor o sujeito que fala, o ensaio é também excluído de todos os campos de conhecimento (filosofia, ciência) que se supõe objetivos. Em outras palavras, o atributo “literário” desqualifica o ensaio como fonte de saber, a irrupção da subjetividade compromete a sua objetividade e, por conseqüência, aquele “rigor” que se supõe
marcar todo processo de conhecimento. E por outro lado, o compromisso com a busca da verdade torna o ensaio também incompatível com o que se supõe ser a gratuidade da literatura ou o irracionalismo da arte.

Situando-se, portanto, numa zona ao mesmo tempo de verdade e de autonomia formal, o ensaio não tem lugar dentro de uma cultura baseada na dicotomia das esferas do saber e da experiência sensível e que, desde Platão, convencionou separar poesia e filosofia, arte e ciência.

O ensaio é a própria negação dessa dicotomia, porque nele as paixões invocam o saber, as emoções arquitetam o pensamento e o estilo burila o conceito.


Arlindo Machado - O filme-ensaio

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